quinta-feira

Crise e insurgência no Quirguistão

Muita gente aqui no Brasil certamente nunca ouviu falar no Quirguistão, mas ontem boa parte da imprensa noticiou a revolta e derrubada do presidente do país, Kurmanbek Bakiyev.
Evidentemente que a quase totalidade das informações que foram difundidas por aqui vinham descontextualizadas, bloqueando uma analise crítica dos fatos que ocorrem neste país. Invariavelmente, apontavam a um aumento de preços nas tarifas públicas como o catalizador da revolta popular, o que não deixa de ser apenas uma pequena “ponta do Iceberg”que mascara os reais motivos dos acontecimentos.
Primeiramente, o Quirguistão e é uma ex-república soviética, de geografia montanhosa, localizada no centro da Ásia, e com fronteiras com a China, o Casaquistão, o Usbequistão e o Tajiquistão. O território soma 200 mil quilômetros quadrados, sendo pouco maior que o Estado do Paraná.
Tem sido um importante aliado aos interesses norte-americanos na região, sedendo parte do seu território para a instalação de bases militares, com o intuito de abastecer o conflito no Afeganistão, além de reforçar a presença americana na região.
O presidente Kurmanbek Bakiyev subiu ao poder após os protestos de 2005 conhecidos como a Revolução da Tulipa, que forçaram seu antecessor, Askar Akayev, a fugir, após um período de mais de 15 anos na presidência.
Bakiyev, porém, operou uma mudança significativa nos rumos do país. Do ponto de vista geopolítico, deslocou o país para uma posição ainda mais pró-EUA, distanciando-se da Rússia. Do ponto de vista econômico, aprofundou as políticas de corte neoliberal que já eram implementadas pelo seu antecessor. Tais políticas, ainda que contanto com apoio irrestrito dos EUA e cia, não reverteram um processo de longa recessão. De 1991 a 2001, a economia quirguis registrou declínio de -2,4%.
No bojo da falência do ideário neoliberal em sua face mais radical, afinal o Quirquistão foi um dos maiores entusiastas entre as repúblicas advindas da ex-União Soviética, em 2005 ocorre a “Revolução da Tulipa”, onde havia, de forma difusa uma expectativa de mudanças no curso do país. Tais mudanças foram amplamente frustradas.
Não só o falido modelo neoliberal seguiu sendo implementado, através de privatizações duvidosas, como inúmeras denúncias de rapinagens nos cofres públicos levaram a uma ampla e majoritária rejeição popular aos rumos do país.
Esta rejeição tomou a forma de revolta aberta, que no dia 7 de abril eclodiram nas ruas da capital Bisqueque, tendo um saldo de 75 mortos e que culminaram na queda do presidente Kurmanbek Bakiyev. A líder da oposição do Quirguistão, Roza Otunbayeva, assumiu o governo, com o controle e apoio das Forças Armadas do país. Otunbayeva afirma que governara interinamente por seis meses até realização de novas eleições. A nova líder disse ainda que "devolveria ao Estado" diversos ativos que haviam sido "ilegalmente privatizados", como as companhias de energia elétrica. Além de uma nova Constituição que será confeccionada nesse período.
Se este processo significará um maior distanciamento do imperialismo norte-americano e uma ruptura plena com o ideário neoliberal, no momento ainda não é possível afirmar com total certeza. No entanto, é importante registrar que demonstrou-se que a população não aceita de forma indefinida processos aviltantes que a afligem por longos períodos e que a possibilidade de insurgência é factível. Não resta dúvida de que este não será o último episódio no longo processo de falência do neoliberalismo.

sexta-feira

Mitos e ilusões na política gaúcha

Os sucessivos escândalos envolvendo os governos Yeda e Fogaça em pleno “estado mais politizado” do país certamente fazem cair por terra a alcunha, se é que ela teve justeza em algum momento.
Sempre desconfiei dessas denominações, em geral mal escondem um certo sentimento de “superioridade” com os demais estados ou ao próprio Brasil, com um forte apelo conservador. Felizmente, não vivemos em tempos de que esses tipos de construções conseguem angariar algum apelo popular para além do residual. Mas ainda sim, o uso político desse mito é feito de outras formas, talvez menos explicitas.
Uma delas, e que quero me deter, é a utilização desta suposta singularidade local como forma de “blindar” os governos conservadores. Não é um fenômeno novo e se fundamenta, por vezes, na tática de “jogar luzes” em alguns aspectos específicos, ainda que periféricos, da política local para criar uma diferenciação ilusória, desconsiderando todo o resto. Um exemplo clássico disso é o PMDB, aqui ele ainda é o “velho MDB”, no resto do país é um partido corrompido que se detêm apenas a cargos em governos e negociatas. O apoio e a participação ativa do PMDB no governo Yeda ao longo de toda a gestão e na defesa do governo, para as portas da eleição sair da gestão e se apresentar como “novidade” não é um mero casuísmo eleitoreiro, mas sim um ato de “coerência”.
Quando isso se desdobra para os governos da direita gaúcha, a lógica do “dois pesos e duas medidas” se faz valer em toda a sua potência. De forma simbólica, se trabalha com um imaginário político de que as dificuldades de nosso estado não são causados por problemas dos atuais governantes, mas por casualidades, acontecimentos insólitos da natureza, pela “desunião” causada pelos radicais da esquerda, por “erros” do governo federal e inúmeras outras tergiversações . Para exemplificar, o problema da crise econômica do RS, não é pela farra das isenções fiscais, pela falta de projeto político dos sucessivos governos conservadores ou neoliberais que se instalaram no Piratini, o problema está “lá” e não “aqui”.
A fragilidade dessa lógica é evidente e muitas vezes de difícil convencimento, no entanto, ela tem seu apelo, mesmo que tangencialmente. Alimentada de forma permanente pelos setores conservadores (partidos da direita, mídia, grande burguesia, etc.) como forma de maquiar o que realmente ocorre.
De que outra forma poderíamos compreender que, uma governadora atolada em uma mar de denúncias de corrupção, com um governo inoperante, segue governando e, por incrível que pareça, irá concorrer a reeleição? De que forma se explicaria que um prefeito com um governo fraco e paralisado, com denúncias graves de corrupção (inclusive tendo um secretário assassinado) concorre com ares de favoritismo pela mídia?
A tática de escamotear os reais problemas, gerar falsos dilemas e apresentar soluções ainda mais frágeis não passa de uma estratégia que tem por fim o objetivo de permanecer o mesmo estado de coisas. Tudo isso como forma de manter alguns privilégios, e principalmente, permanecer os “esquemas” de alguns poucos que se locupletam a anos.
O maior perigo deste modus operandi na política gaúcha é a tentativa de asfixia prematura de qualquer possibilidade de rompimento com isso. A candidatura que se “aventurar” a romper com esta lógica sofre o risco de ser taxada de “radical” ou, o que é pior, simplesmente ser relegada a um papel secundário na disputa política pela mídia.
Alternativas para romper com esse cerco existem. Elas, em geral, não são as mais fácies, no entanto, são as mais necessárias. Do contrário, seguiremos vendo uma reiteração de uma mesma política cujo a única mudança é se será A ou B, mas com o conteúdo e, o que é mais trágico, com os mesmos erros e descaminhos que assolam o estado.

segunda-feira

2009: o ano do Lula


O ano de 2009 está dando os seus últimos suspiros antes da virada para 2010 e uma constatação evidente deste ano que se encerra é sobre quem foi o seu grande personagem: Luiz Inácio Lula da Silva.
Muito tem sido dito e redito sobre a atuação do presidente Lula e da forma como ele tem se consolidado como a grande figura política do país, atingindo o ineditismo de alcançar índices de aprovação na casa dos 80%, mesmo com toda a hostilidade dos principais veículos de comunicação. Soma-se a isso o destaque internacional como uma das principais lideranças globais, projetando o país de uma forma nunca antes vista.
Explicar, do ponto de vista interno, o processo que levou Lula a este patamar de aceitação popular não é uma tarefa fácil e certamente será objeto de muitos estudos e análises nos próximos anos, ainda mais havendo a continuidade do projeto com uma eventual vitória da Dilma nas eleições presidenciais de 2010.
É certo que Governo Lula não é infalível, pelo contrário, foram feitos muitas opções erradas que poderiam ter afetado o desempenho do governo como um todo. Apenas para exemplificar, a opção de entregar o Ministério das Comunicações para o Hélio Costa, fiel escudeiro dos interesses das organizações Globo, foi um destes erros notáveis. Visto que não modificou o quadro de concentração midiática e manteve inalterada uma estrutura arcaica e antidemocrática de concessão e regulação destes veículos.
Por outro lado, seus acertos não foram poucos e talvez aí esteja um dos elementos centrais desta aprovação singular que do Lula. O fim dos processos de privatizações, o fortalecimento do papel do estado, o conjunto de políticas sociais, a mudança na política externa etc. são fatores que apontam para o inequívoco caráter progressista do governo.
Quando enfrentou crises internas, com destaque maior para a de 2005, as mudanças que foram efetivadas acabaram por representar um salto de qualidade significativo entre o primeiro e o segundo mandato do Lula. No inicio do governo tínhamos o Zé Dirceu na Casa Civil (com um perfil político muito afeito a negociações e arranjos com setores atrasados e eticamente questionáveis) e o Palocci na Fazenda (com uma política voltada para o mercado financeiro e uma gestão neoliberal da economia interna). O segundo mandato simbolizou uma virada virtuosa no governo, com a entrada da Dilma na Casa Civil e do Guido Mantega na Fazenda. Não foram apenas mudanças de nomes, mas de política, com a Casa Civil assumindo um perfil voltado para a gestão do próprio governo, estancando as relações e o papel questionável de seu antecessor no Ministério, e a Fazenda tendo uma mudança ainda maior, com a adoção de uma série de políticas votadas para o fortalecimento interno da economia.
Foi esta virada que assegurou que o Brasil enfrenta-se a crise financeira, iniciada em 2008, como uma “marolinha”, nas sábias palavras do Lula e não como um “tsunami”. Economia arrumada e uma relação política qualitativamente melhor, foram pilares importantes na sustentação e desenvolvimento do governo.
Tudo isso se soma a figura do Lula, que sabe com maestria dialogar diretamente com as massas, conseguindo assim furar (ainda que parcialmente) o bloqueio midiático.
Se em 2010 será um ano de afirmação deste projeto em curso no país e de avanço nas alternativas para um modelo pós-neoliberal será objeto de disputa. Mas certamente Lula terá um papel chave e talvez decisivo neste processo.

As Olimpíadas de 2016 e o desespero da direita

A vitória do Brasil na escolha para sediar as Olimpíadas de 2016, na cidade do Rio de Janeiro, foi comentada e comemorada por muitos. Como era esperado, temos diferentes avaliações e opiniões a respeito disso, e essas avaliações variam conforme os interesses e posições destes na sociedade brasileira.
No geral todas e todos são obrigados a reconhecer o símbolo político importante que tem esta escolha na nova projeção e atuação internacional que o Brasil tem assumido nos últimos anos. Antes um mero reprodutor do Consenso de Washington, agora busca uma recolocação do país no cenário internacional.
A elite brasileira, ainda que comemore as enormes possibilidades de negócios e lucros que podem se abrir com a realização dos jogos olímpicos, mal conseguem disfarçar o incomodo de ver mais uma vitória simbolizada na figura do Presidente Lula, que entrou em campo e garantiu a vitória na disputa com os outros países que estavam no páreo.
Com a proximidade das eleições de 2010, mais esta vitória, que deveria ser entendida como do “país”, é vista por eles, como mais um trunfo da gestão petista contra o candidato da direita, José Serra, que vê sua candidatura já entrar precipitadamente em um processo de acelerado declínio e perda de apoio. Efeito este que só era esperado pelos “especialistas” em pesquisas e marketing político com o inicio oficial da campanha eleitoral. Onde naturalmente haveria um crescimento das outras candidaturas, com a exposição proporcionada pela entrada dos programas de TV e a campanha nas ruas.
A perda de “fôlego” já nesse momento acionou o sinal de alerta quanto a viabilidade do Serra contra a Dilma. Sem saber o que fazer, e com os constantes erros políticos dos tucanos e demos, constantemente errando o alvo nos ataques ao governo, o desespero já assola a elite. E mais uma vez, o grande monopólio mídiatico assume o papel de dirigir os rumos da reação conservadora, frente a incapacidade dos partidos da oposição em reduzir os altos índices de aprovação do presidente e do governo.
Este final de semana, dois fatos exemplificam bem esta reação conservadora. O jornal O Globo deste domingo passado, publicou na página 17 um artigo do governador/candidato José Serra comentando a vitória na escolha do Rio nas Olimpíadas. O fato, que de largada para qualquer leitor com um mínimo de discernimento, causaria estranheza, afinal, um jornal distribuído no RJ, ao invés de publicar coluna do Lula, Sérgio Cabral, ou Eduardo Paes (os três diretamente envolvidos na escolha), preferiu publicar coluna do governador de São Paulo José Serra. Num claro exemplo de tentar dar alguma visibilidade ao candidato “natimorto” Serra.
A Folha de SP, por sua vez, partiu para uma ofensiva ainda mais explicita, como coloca o jornalista Fernando Carvalho na Carta Maior, “Temendo a derrota de seu candidato José Serra, que não decola nem nas pesquisas de seu instituto particular, Otavinho Frias partiu de vez para o tudo-ou-nada. Na edição deste domingo, a Folha de São Paulo estampa como manchete o resultado de uma pesquisa produzida por seu instituto questionando a legitimidade dos resultados das eleições no Brasil. Segundo a pesquisa, estaria provado que nada menos do que 17 milhões de brasileiros venderam seus votos, pelo menos uma vez. A consagração do presidente Lula pela conquista das Olimpíadas Rio 2016, pode ter sido a gota d’água para a operação tudo-ou-nada.”
Prevendo a eminente derrota nas urnas, partem para uma linha de deslegitimar o próprio processo democrático. Não sei se esta será uma postura generalizada da direita, mas não seria de surpreender, afinal o golpe em Honduras pode ter dado um surto de saudosismo na elite brasileira, acostumada a recorrer a força quando vê seus interesses privados ameaçados, onde a democracia para eles sempre foi e será descartável para a manutenção de seu poder.

Dois setembros que abalaram o Império

Por uma coincidência, foram em um mês de setembro que a última década registrou dois acontecimentos carregados de forte simbolismo e que serviram para trazer a tona o processo de declínio do imperialismo americano: os ataques ao World Trade Center em 2001 e a quebra do banco Lehman Brothers em 2008.
Esses acontecimentos, ainda que não possuam uma ligação direta entre si, sinalizam fragilidades e deficiências que já eram sentidas no seio dos Estados Unidos há algum tempo. Ambos cumpriram um papel de sinalizar ao conjunto dos povos de todo o mundo que o “Império está nu”. Com isso, se coadunam um processo combinado de fragilidade do tripé por qual se mantinha o poderio norte-americano sobre o resto do planeta. Esse tripé é basicamente formado pelos domínios: econômico, ideológico e militar.
Os três vêem sofrendo sucessivos abalos como nos coloca Immanuel Wallerstein. “Há cinqüenta anos, a hegemonia dos Estados Unidos no sistema-mundo baseava-se em uma combinação de eficiência produtiva que superava de longe a de qualquer rival, uma agenda política mundial que era calorosamente apoiada por seus aliados na Europa e na Ásia, e uma superioridade militar. Hoje, a eficiência produtiva das empresas americanas enfrenta forte competição, principalmente por parte das empresas dos sues aliados mais próximos. A agenda política mundial dos Estados Unidos já não é tão calorosamente apoiada por seus aliados, especialmente depois do desaparecimento da União Soviética. O que resta, no momento, é a superioridade militar.”
Os ataques terroristas do 11 de setembro causaram um duplo efeito: por um lado, mostravam que este poderio não era suficiente para impedir um ataque de um grupo terrorista em seu próprio território e por outro serviu de estopim para uma nova e maior escalada militar. Procurando assim, através deste expediente recuperar a dianteira em seu processo de hegemonia. Ancorados em sua vantagem militar sobre seus aliados e rivais, durante o Governo Bush, a face militarista foi posta como “(...) o trunfo mais forte dos Estados Unidos; na verdade seu único trunfo. Hoje, os Estados Unidos possuem o mais formidável aparato militar do mundo.” Sendo esta vantagem sobre o resto do mundo consideravelmente maior hoje do que era apenas há uma década.
No entanto, mesmo com toda esta vantagem, as duas guerras simultâneas impetradas pelos EUA apenas se arrastam e não obtiveram a plenitude dos resultados esperados por eles. Ainda que tenham derrubado os Talibãs no Afeganistão e Saddam Hussein no Iraque, em nenhum dos dois países a situação esta controlada, pelo contrário. O número de mortos apenas aumenta, já chegando aos milhares. E o que é pior para os interesses imperialistas dos norte-americanos, os conflitos estão longe de se encerrarem nas duas frentes.
A única solução será uma retirada e o reconhecimento do fracasso das pretensões de estabelecer regimes pacificamente alinhados aos interesses dos EUA. Ainda que conte com o apoio de setores das elites locais, a situação política interna, tanto do Iraque como do Afeganistão é de forte resistência interna.
O setembro de 2001 marcou o inicio dessa escalada fracassada das armas e da “paranóia Bushiana” de medo permanente: medo pelo diferente e pelo “de fora”. Não é a toa que a extrema-direita tem atacado insistentemente Barack Obama por não dar continuidade a este aspecto da política do Bush, e por ser ele um descendente de Africanos, logo, foge do estereótipo de pureza Anglo-saxônica.
O ano de 2008 foi marcado por outro setembro que viria a abalar as estruturas dos Estados Unidos, que foi o “estouro” da chamada Crise do Capital Financeiro. Que, como uma onda avassaladora, atingiu ao conjunto das potências centrais do capitalismo.
O Lehman Brothers era o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, um dos maiores operadores de empréstimos a juros fixos de Wall Street. A sua queda produziu o efeito “cascata” do estouro de uma crise que já se desenhava e que apenas iria arrastar-se em uma seqüência avassaladora sobre o centro do capital financeiro. O efeito simbólico da quebra foi muito forte e de duras conseqüências para o “consenso neoliberal”, cada vez mais desacreditado.
A crise, ao contrário do que bradam alguns analistas míopes, não começou a partir desses eventos, mas vêm de um longo processo de crise estrutural do modo de produção dominante. A desaceleração do processo de acumulação nos Estados Unidos já ocorre desde meados da década de setenta, após a crise do petróleo. Ainda que tenha registrado alguns “saltos” de aceleração econômica, principalmente na década de noventa, esse crescimento tem se mantido em patamares muito inferiores aos que eram obtidos durante os “anos de ouro” do capitalismo global, a partir do pós-guerra.
Os efeitos que a crise em curso terão, ainda está por ser melhor equacionado. Ainda não se vislumbra o esgotamento do processo de crise do capital, visto que até o momento pouco ou nada se fez para coibir as verdadeiras causas. Ela não se resolverá com medidas paliativas, apenas com mudanças estruturais, que até o momento, não se apresentam de forma concreta no centro do capitalismo (Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão).
Para a manutenção do processo expansionista do imperialismo norte-americano, a crise do capital venho abalar e frear este ímpeto. Possivelmente, daqui alguns anos teremos melhor presente os efeitos do acelerado declínio e perda gradual da capacidade hegemônica dos Estados Unidos.
Ainda que enfraquecida, não se vislumbra quando e como se esgotara essa posição de liderança absoluta no sistema. As possibilidades apontam para uma multipolaridade que não esteja submetida pelo controle de uma única nação. É importante destacar que esta situação segue no campo das possibilidades, e como tal é objeto de disputa, sem resultados pré-determinados e garantidos. Finalizando, tem uma frase do Wallerstein que ilustra bem o processo que está em curso. “A verdadeira questão não é se a hegemonia dos Estados Unidos está em declínio, mas sim se os Estados Unidos conseguirão encontrar uma forma de cair graciosamente, com danos mínimos para o mundo e para si próprios.”

terça-feira

Os significados do acordo militar do Brasil com a França

Durante as comemorações do 7 de setembro, foi anunciado acordo de cooperação militar entre a França e o Brasil. No acordo, além da aquisição de 36 aviões de combate Rafaele, inclui a transferência de tecnologia, construção conjunta de um submarino de propulsão nuclear e outros quatro convencionais do modelo francês Scorpene, 50 helicópteros de transporte franceses EC-725 para as Forças Armadas brasileiras, a compra pela França de dezenas de aeronaves KC-390 da Embraer entre outros itens.
Ao contrário de ser uma “corrida armamentista” como afirmaram alguns editoriais da imprensa local, o acordo simboliza um nítido esforço de fortalecer a soberania local. Na mídia internacional, a cooperação franco-brasileira, recebeu um outro enfoque, segundo o jornal El País, por exemplo, mostra os esforços de Lula para modernizar as Forças Armadas, para que em 2020, o Brasil possa contar com a maior força naval da América Latina, equipada com submarinos, navios de pequeno porte, mísseis de longo alcance, torpedos, aviões, helicópteros. Tudo com tecnologia de ponta, afirma o jornal espanhol.O jornal cita as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a defesa das reservas de petróleo do pré-sal na costa do País. "Sempre devemos ter presente que o petróleo tem sido a causa de muitas guerras. Nós não queremos guerra nem conflito", disse Lula em trecho do discurso publicado pelo periódico.
Do ponto de vista local, é sem dúvida uma iniciativa acertada. Do ponto de vista da geopolítica global é ainda mais correta a escolha feita pelo governo. Se reduz a influência dos EUA e aumenta a autonomia brasileira em termos militares.
Era de conhecimento público que os EUA estavam disputando com a França e a Suécia a venda de equipamentos militares para o Brasil. Para os norte-americanos era fundamental o negócio, pois representaria uma sobrevida a um processo que vêm se acelerando a passos largos de enfraquecimento do seu poder hegemônico. O imperialismo estadunidense sempre se acentuou sobre três grandes pilares para conservar e ampliar a sua hegemonia: a economia, a ideologia e o poderio militar.

Já há alguns anos que os EUA tem visto a sua economia perder fôlego e vigor e com a recente crise do capital financeiro, essa situação apenas se agudizou. Do ponto de vista ideológico, desde o final da Guerra Fria, muitas das atrocidades cometidas pelos EUA em nome do “combate ao comunismo” deixaram de ser auto-justificadas. Ainda que siga sendo talvez o braço mais vigoroso e potente em seu processo hegemônico, os aspectos mais grosseiros e “injustificáveis” do imperialismo deixaram de ser aceitos plenamente. Resta o braço militar, esse que foi adotado de forma indiscriminada pelo Governo Bush, teve sua credibilidade seriamente abalada após as campanhas desastrosas do Afeganistão e do Iraque. Como, afinal, o mais potente e bem armado exército do mundo, não consegue acabar sozinho com estes conflitos? A aparente mudança anunciada por Obama (ainda que pouco se fez de concreto) é o indicativo do erro e do custo que teve para os Estados Unidos.

O mundo caminha para uma possível geopolítica multipolar, onde a supremacia de uma única nação deverá perder espaço gradativamente. Esse processo ainda está longe de se concretizar plenamente e é objeto de disputa política, mas medidas como a tomada pelo Governo do Brasil ajudam a caminhar para essa direção.

quinta-feira

O contra-senso do hino nacional obrigatório nas escolas

A Comissão de Educação do Senado aprovou na terça-feira (11) um projeto da Câmara que instituía a exigência de que escolas de ensino fundamental públicas e particulares serão obrigadas a executar o hino nacional pelo menos uma vez por semana.
Acho um tanto quanto anacrônica este tipo de medida. Já achei ridícula a lei paulista de obrigatoriedade da execução do hino nacional antes das partidas de futebol realizadas em São Paulo.
A justificativa para ambos os projetos é aquela velha cantilena de sempre de “desenvolver o espírito cívico” e o “sentimento nacional”.
O problema em geral deste tipo de medida é uma visão tacanha do que seria um “amor a pátria”, na medida em que se acredita que a pura repetição de um ato imposto aos estudantes, ao se postarem em pé na execução do hino nas escolas durante o hasteamento da bandeira geraria este vínculo. Acho pouco provável que isso ocorra. Pelo contrário, tal medida, pode no máximo causar algum apreço para aqueles alunos menos disciplinados, que verão nisso uma boa maneira de ficar fora da sala de aula.
A identidade de um povo com sua pátria não se produz através de mecanismos impostos e que ainda pecam por trabalhar apenas com uma dimensão simbólica apartada dos indivíduos.
O vínculo de um povo com o seu país são muito mais compreensíveis e concretos na medida em que este se vê como sujeito portador de direitos.
Quando este país lhe garante o espaço para o exercício da cidadania, onde ele deixa de ser apenas um agente passivo, para se converter como parte de um processo maior.
O nacionalismo, por si só, não é algo nefasto, ainda que muitos descaminhos já se cometeram em sua causa. A direita, principalmente em sua face mais conservadora, sempre buscou se utilizar deste subterfúgio para cometer muitos descalabros e atrocidades.
Tivemos uma Ditadura Militar que se arvorava como a detentora do patriotismo, e que em seu nome, matou e torturou muitos que a questionaram. E foi tão corrupta quanto os governos que a antecederam, demonstrando que a corrupção não se explica pura e simplesmente por “falta de amor a pátria”.
Seria muito mais útil e com maior efeito se ao invés de obrigar os estudantes a ficarem parados escutando o hino, que lhes fosse dado aulas de cidadania. Que lhes fosse proposto uma noção ética coletiva, da importância da participação cidadã e do bem comum, aí sim poderíamos ter uma melhor e superior noção de país. Algo que esta lei jamais conseguirá.