sexta-feira

Política de alianças: um debate urgente

"O problema não é a derrota, mas o desânimo e a dissimulação intelectual, fingir que cada passo para trás ou para o lado significa dez passos à frente."
Russell Jacoby

Tem se tornado comum vermos companheiros e companheiras nas disputas nos mais diferentes espaços (movimentos sociais, partido, governos, etc.) defender e/ou executar ações que claramente representam recuos do ponto de vista programático.
As raízes deste tipo de conduta são diversas, que vão desde a carga ideológica avassaladora do neoliberalismo sobre toda a sociedade nas últimas décadas, passando por uma valoração amplamente disseminada, em setores da esquerda de um pragmatismo exacerbado, onde os resultados são contados muito mais a partir de quem ganha a disputa e não pelo o que fez ou fará em tal espaço.
As conseqüências extremamente nefastas que estas opções trazem são evidentes. Se alguém tem alguma dúvida, basta analisar a raiz de toda a crise política iniciada em meados de 2005 com Roberto Jéferson e cia. Foi este "taticismo" em fazer a política, mirando apenas para resultados de curtíssimo prazo, que justificaram a flexibilização de alianças, ampliando o leque para partidos e agentes político claramente vinculados a um projeto de sociedade completamente antagônico ao nosso projeto.
Este pragmatismo, em um primeiro momento até pode ter algum êxito relativo. Mas logo em seguida, a "conta" é cobrada, e o custo político tem se mostrado muito maior do que os eventuais sucessos desta política recuada. O "frankenstein político" que se gera, por não se ter critérios ao se estabelecer quais são os aliados para se conduzir a política é evidente.
Há este tipo de conduta, muitos companheiros e companheiras fazem a crítica principalmente a política de alianças do Governo Lula. Mas, o problema não se restringe apenas aí. Ao se fazer estes "recuos táticos", a nossa atuação nos movimentos sociais, seja do ponto de vista da mobilização ou da formulação política, também fica bastante comprometida. Pois se "esfria" a capacidade crítica e dificulta o processo de tomada de consciência nas grandes massas. Afinal tudo fica parecido e as diferenças, fundamentais para se estabelecer a disputa política ficam diluídas em nome de um resultado que muitas vezes não se concretiza.
Essa é uma reflexão que a esquerda de uma forma geral, mas os militante do PT em particular, devem aprofundar. O PT como maior expressão política da esquerda brasileira tem o dever de reajustar a sua política para sintoniza-la com a estratégia de luta pela alteração da realidade social presente.
A construção de uma sociedade socialista, inevitavelmente, gerará conflitos, afinal serão interesses de alguns poucos atingidos e outros, da imensa maioria, inclusos. Se atingirá privilégios geradores de desigualdades. E para isso, a nitidez política é indispensável para saber para onde se pretende ir e os meios para tal.
Do contrário, os recuos serão constantes e a perda de identidade algo definitivo. A reversão deste curso suicida é um imperativo que se apresenta na conjuntura para a reconstrução socialista do PT e cabe ao IIIº Congresso do PT dar este salto de qualidade em nossa política.

quinta-feira

IIIº Congresso do PT: A Hora e a vez das Setoriais

O Partido dos Trabalhadores está vivendo o seu processo preparatório ao IIIº Congresso, onde o tema da construção e organização partidária tem uma grande importância para a definição do futuro do partido.
Este é um momento singular em nossa história partidária, seja pelo peso político que o PT ocupa hoje na sociedade acumulados ao longo de quase três décadas de história; seja pelo fato de este congresso estar ocorrendo após a grave crise que atingiu o PT recentemente ou pelo fato de, apesar da crise, tenhamos construido uma importante vitória eleitoral em 2006. Não podemos, no entanto, devido à vitória assumir um discurso de que nada aconteceu e de que as urnas absolveram todos os nossos erros, pelo contrário, devemos encarar esta vitória como um elemento a garantir que tenhamos força e respaldo popular para avançarmos no rumo certo e superar os nossos limites e erros.

As Setoriais na construção do PT

Neste processo de debates, um dos temas que necessitam ser encarado como prioridade é sobre o papel das setoriais no partido. Ao longo de sua trajetória o PT sempre contou com uma grande diversidade de setores e movimentos sociais que permitiram ao partido ter uma construção muito mais ampla. Alicerçada nesta diversidade político-social, expressava-se internamente por meio dos núcleos de base e das setoriais uma tentativa de consolidação na vida orgânica do partido dessa vitalidade social. Estes espaços permitiram que uma série de militantes tivessem um local privilegiado de debates, organização, formação e mobilização direta. É através desta diversidade e dinamismo que podemos entender parte do ineditismo da experiência do Partido dos Trabalhadores na esquerda brasileira.
Mas esta participação de base, desde a origem do partido sempre foi objeto de importantes e acalorados debates internos. Tendo principalmente por fundo o debate de diferenças sobre a concepção de partido que se buscaria construir e de quais seriam os mecanismos mais adequados para o seu fortalecimento.
O processo de esvaziamento dos núcleos de base prejudicou, e muito, o canal de participação do filiado ao partido. Mas não o interditaram por completo, havendo ainda iniciativas autônomas de militantes que permaneceram organizando espaços de base (seja por local de trabalho, moradia, etc.), mas não contando muitas vezes com apoio das estruturas partidárias ou sem o devido incentivo que mereceria.
O problema vivido pelas setoriais se assemelha, em parte, ao dos núcleos, mas com trajetória e peculiaridades próprias. As setoriais do partido cumpriram, ao longo da história do PT, um importante papel para a construção partidária. Seja por serem um espaço que permitiu uma participação mais direta e ativa de inúmeros filiados, de fomento ao debate e de formação política na base partidária. Auxiliando no processo de renovação de quadros dirigentes de maneira decisiva. Ocupando assim, de alguma forma, a lacuna deixada pela ausência dos núcleos de base.
Mais do que isso, foi através setoriais que enumeros debates políticos foram introduzidos e incorporados pelo conjunto do partido. A cota de gênero nas instâncias partidárias, o combate a discriminação racial, a defesa dos direitos das minorias etc. Este papel protagonista das setoriais na renovação política no partido gerou também um importante acumulo para as nossas ações de governo, através de políticas específicas que deram uma nova dimensão a temas que tradicionalmente o poder público não se detinha. Como por exemplo, o tema das políticas públicas para a juventude, trazidas a tona em nível federal com pioneirismo pelo Governo Lula.

O enfraquecimento das setoriais

No entanto, o processo de consolidação que vivia as setoriais (ou parte delas) ao longo do processo de construção do PT sofreu um duro golpe na década de 90. Neste período o partido entrava, com dificuldades, na resistência ao neoliberalismo no Brasil. Onde o crescimento do pensamento conservador, o enfraquecimento das organizações populares e os ataques a direitos e conquistas sociais, tiveram seus efeitos negativos sobre o partido.
A ascensão do neoliberalismo no plano político se deu em um momento em que o PT acumulava importantes vitórias eleitorais. No entanto, o partido não tinha mecanismos eficazes que impedissem que o processo de institucionalização gera-se seus efeitos negativos dentro do partido. Principalmente na perca de capacidade militante. Isso afetou o partido por inteiro, e também as setoriais, mas que apesar disto, ainda se conservavam como um espaço com alguma vitalidade e capacidade militante.
Se por um lado, as setoriais vinham acumulando força e consolidando o seu espaço, dentro do partido ganhou força, em alguns setores internos, a idéia de que as setoriais concorriam com as demais instâncias partidárias, e que por tanto deveriam sofrer mudanças em seu funcionamento. Este movimento ganhou força a medida que se ampliava o número e a organização das setoriais e, consequentemente o seu peso político dentro do partido, sempre se fazendo a importante ressalva de que este não foi um processo homogêneo, e que ocorreu de forma muito diferenciada e desigual nas diferentes regiões do país. Mas este peso e influência nunca se materializaram de forma unitária, havendo sempre uma grande dificuldade em se desenvolver um trabalho conjunto entre as setoriais, evidentemente com boas e importantes exceções.
Esta falta de uma atuação mais unitária das setoriais para garantir a sua presença no partido, aliada a resistência de alguns setores internos quanto a importância destas, favoreceram as mudanças estatutárias oriundas do IIº Congresso do PT, em 1999. Estas mudanças geraram uma retirada de força política das setoriais e foi um duro golpe que aprofundou um processo de enfraquecimento que já estava em curso no partido.
Entre as principais mudanças, está a perda do direito a voto que todas as setoriais, com funcionamento regular, tinham até então garantido estatutariamente junto ao Diretório de seu respectivo nível. Esta mudança gerou um processo de enfraquecimento político das setoriais, principalmente nos municípios, mas também se refletindo nos demais níveis. Pois são processos que se complementam, sem haver uma articulação de base, as instâncias superiores perdem em legitimidade, sustentação política e renovação. Outra mudança que atingiu negativamente as setoriais foi a retirada das delegações eleitas pela base a partir dos encontros setoriais para os encontros partidários. Com isso, as setoriais foram alijadas da possibilidade de estarem diretamente influindo nos rumos do PT, cortando-se um canal direto entre as setoriais e os espaços e fóruns decisórios do partido.
Uma alternativa necessária
O resultado destas políticas, hoje passado já alguns anos desta nova orientação partidária quanto a sua organização setorial, foi de uma grande redução do número de participantes nos encontros, um enfraquecimento crescente das setoriais que já existiam e a desarticulação de muitas. A criação de novas setoriais passou a ser algo cada vez mais raro. Isto acontece principalmente porque na medida que os debates realizados no interior das setoriais não geram ressônancia no conjunto das instâncias internas, acaba por conseqüêntemente a esvaziar políticamente estes espaços e tolindo o protagonismo da base militante, que já não tinham os espaços dos núcleos de base reconhecidos e passaram as setoriais a caminhar para o mesmo destino.
Agora, neste IIIº Congresso do PT temos a oportunidade de mudar os rumos deste processo. E isto só será possível com mudanças estatutárias que recoloquem as setoriais em um papel de centralidade no partido. Resgatando o direito a voz e voto das setoriais no diretório do PT (em nível municipal, estadual e nacional); que as setoriais voltem a eleger representantes aos encontros e congressos partidários; bem como constituir uma política de conjunto no partido para fomentar o trabalho de base e de debates setoriais, pois assim, além de se recuperar o espaço político retirado das setoriais, se possibilitaria uma renovação política da relação do PT com a organização dos segmentos dentro do partido.
Resumindo, não basta simplesmente tentar voltar a situação anterior ao IIº Congresso do PT, mas apontar para a necessidade de se gerar um aprofundamento do debate no interior do partido e ampliar as perspectivas da construção partidária junto a sua base militante. Recuperando-se a construção anterior e avançando para um fortalecimento das setoriais no PT, o que consequentemente fortalecerá o partido por inteiro. A melhor forma de termos um partido que esteja preparado para os importantes desafios que se colocarão no futuro é com o fortalecimento do caráter militante do PT. E isso se faz com a garantia de espaços de participação e decisão da base militante, e um dos melhores mecanismos para isso, que ao longo da história do partido tem se demonstrado, é através das setoriais e dos núcleos. Por isso, defendemos que o III° Congresso do PT seja marcado como o congresso da retomada e fortalecimento das setoriais e dos núcleos.
Para a construção de um partido que se proponha a disputar a hegemonia na sociedade, que se pretenda como impulsionador da construção do socialismo, ter um amplo processo de participação na base partidária é fundamental para esta construção. Não havendo nenhuma incompatibilidade entre a organização por núcleos (profissionais, de moradia, universidades, etc.) e as setoriais, pois são processos que se complementam. A ampliação da democracia interna dará um impulso decisivo para o PT.
Com isso, teremos um partido que estará ainda mais profundamente ligado aos anseios da maioria do povo brasileiro para realizar as transformações que são necessárias e urgentes em nossa sociedade. Se desperdiçarmos esta oportunidade histórica, o prejuízo para o futuro do PT será imenso.

Erick da Silva – Secretário da Juventude do PT de Porto Alegre/RS.

Financiamento público: um passo importante

Um dos pontos que está sendo debatido na proposta de reforma política, a ser votada pelo Congresso Nacional, é o financiamento público das campanhas eleitorais. Esta proposta talvez seja uma das que surtirá os maiores efeitos imediatos para o sistema eleitoral brasileiro.
Atualmente as campanhas eleitorais no Brasil são sustentadas basicamente através do financiamento privado, o que tem gerado distorções grotescas na disputa política, além de ser esta a principal "porta de entrada" para a corrupção na esfera pública. O financiamento público exclusivo para as campanhas eleitorais deverá ser um eficaz antídoto para estas mazelas. E com isso passaremos a dar uma boa dose de republicanismo a nossa democracia brasileira, que de fato ainda guarda muitos mecanismos que a impede de ser uma democracia plena.
O financiamento das campanhas não é um tema menor. Se vende a muito tempo a idéia de que o eleitor é livre para escolher os melhores candidatos(as) que desejar, mas na prática o que ocorre é que o poder econômico tem sido um componente definidor nas disputas. Sendo assim, as empresas e grupos econômicos detentores destes recursos, ao financiar a campanha de um determinado candidato acaba, muitas vezes a exigir a sua contrapartida, seja através de participação em obras públicas e outros meios de corrupção direta (ou indireta) ou ainda através de projetos de lei que garantam os interesses destes empresários que financiaram a sua campanha, ficando os interesses gerais do povo jogados para um segundo plano.
É uma via de mão dupla, o financiador fornece os recursos de um lado e os recupera de outro através do apoio obtido pelo detentor de cargo público que fica com esta "dívida moral" com quem lhe garantiu a vitória eleitoral. Neste caso, o povo fica sendo vítima de um sistema que permite que tal ato imoral se estabeleça quase que como uma regra e não como exceção na política brasileira. O caixa 2 entra neste contexto mais como uma conseqüência do que como motivador. O vício de origem se estabelece ao se permitir o financiamento privado das campanhas e somente com a sua proibição poderíamos ter este problema sanado.
Mas apenas o financiamento público é insuficiente, é fundamental que se estabeleça conjuntamente outros mecanismos que caminhem nesta direção, com especial destaque para o fim do voto nominal e a implantação da votação em listas pré-ordenadas e a fidelidade partidária. Pois somente assim teremos a possibilidade real de criar condições de se impedir na origem que os interesses particulares se sobreponham aos do conjunto da sociedade.

A “volta” da juventude problema

Desde a brutal morte do menino de seis anos João Hélio, no Rio de Janeiro, temos visto uma forte investida de alguns setores defendendo medidas "duras" como resposta ao ocorrido. Levantam propostas que vão desde um maior rigor para os "bandidos" e a construção de mais presídios até mudanças na legislação, com destaque para o tema da redução da maioridade penal.
Não é a primeira vez que isso ocorre no país. Faz algum tempo que o tema da redução da maioridade penal é defendido por alguns como a "solução mágica" para o problema da criminalidade brasileira. Isso fica mais evidente ainda para quem se deu ao trabalho de observar a cobertura jornalística na grande mídia nas últimas semanas, onde crimes envolvendo algum jovem menor de 18 anos passaram repentinamente a ganhar um grande (e desproporcional) destaque. Para dar uma resposta aos "apelos" da sociedade, alguns parlamentares tentam levar a votação a redução da maioridade penal, que teve a sua discussão prorrogada momentaneamente.
Este discurso, no fundo, guarda uma concepção que ainda enxerga a juventude como um "problema", o que alguns otimistas achavam que era uma visão superada e sem muitos adeptos. Infelizmente, parece que não. Ainda tentam encontrar soluções para problemas, sem olhar para as causas deles. Enxergam o jovem envolvido em alguma infração não como uma vítima de um sistema que lhe nega condições e direitos básicos de cidadania, mas sim como um problema a ser resolvido com duras medidas. E a principal delas seria a redução da maioridade penal dos atuais 18 anos para 16.
Os argumentos dos defensores desta medida são, no mínimo, frágeis. Se pegarmos, por exemplo, os dados de uma pesquisa da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, divulgado no final de 2003 pelo jornal "Folha de São Paulo" veremos que os adolescentes são responsáveis por apenas 1% dos homicídios praticados no estado.
Em Porto Alegre, desde 1992, foram registrados 45 mil casos de violação aos Direitos da Criança e do Adolescente. Deste número apenas 1% são jovens menores de 18 anos envolvidos em ato infracional. O que desfaz o mito de que são os principais responsáveis pela criminalidade. Muito pelo contrário, são sim as principais vítimas.
O processo de exclusão da juventude é grave e se demonstra em enúmeras facetas. O número de jovens vítimas da violência é crescente (entre 1994 e 2004, as mortes entre 15 e 24 anos aumentaram 48,4%, enquanto o crescimento populacional foi de 16,5%.), o índice de desemprego chega a 45,5% na população jovem segundo dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese). Isso sem contar a falta de acesso a cultura, lazer, educação, moradia etc. O que demonstra o quadro crítico que nos encontramos.
O Brasil, durante a década passada, viveu a experiência de implantação do neoliberalismo que, entre outras coisas, gerou um brutal aprofundamento da exclusão juvenil. Isso aconteceu, entre outros fatores, pela retirada e/ou flexibilização de diretos, falta de políticas específicas, desmonte da rede pública de ensino e etc. Os problemas enfrentados pela juventude brasileira, evidentemente não começaram nos anos 90, mas tiveram a sua situação amplamente agravada nesse período. Muitos dos problemas que hoje se fazem sentir, tem a sua origem neste processo.
Não existem soluções mágicas. O que deve ser feito é uma política permanente que enfrente esta situação e articule um processo de inclusão social plena. O que só é possível através de um conjunto de políticas que encarem a complexidade do desafio da juventude por inteiro, não pegando apenas alguns fatos isolados para generalizar. A redução da maioridade penal não passa de uma medida que apenas mascara o problema e se afasta das reais soluções.

Erick da Silva – Secretário da Juventude do PT de Porto Alegre

A conjuntura pós-Sarkozy

Estamos vivendo um período onde grandes definições políticas sobre o futuro da humanidade estão em permanente disputa. Ao contrário de outros períodos, nunca vivemos tamanha falta de nitidez e unidade quanto aos principais objetivos em disputa.
Digo isso principalmente à luz dos fatos ocorridos na eleição presidencial na França. Acho que este é um bom exemplo das dificuldades que se apresentam no próximo período no cenário internacional. Do ponto de vista das forças conservadoras, há diferenças em disputa sobre quais os rumos que o capitalismo deve seguir, a vertente neoliberal, em sua versão militarista está em crise nos EUA e Inglaterra, havendo forte pressão popular (ainda que insuficiente para mudar o curso da política) deslegitimando a credibilidade e a força internacional que já teve a pouco tempo atrás tal ideário.
Agora, essa linha política ganha uma importante sobrevida, com a vitória de Nicolás Sarkozy nas eleições francesas. A direita apresentou outras candidaturas neste pleito, desde alternativas mais moderadas até posições ainda mais extremadas que a de Sarkozy. Mas o contexto de sua vitória exige que a esquerda repense a forma como tem atuado no velho continente.
Houve uma pulverização de candidaturas de caráter progressista no primeiro turno que, ainda que não tenham impedido a ida da candidatura socialista para o segundo turno como ocorreu na eleição anterior, demonstra a total incapacidade da esquerda francesa em constituir um ponto mínimo de unidade que permitisse que se freasse a ascensão de Sarkozy a presidência da França. O que não é um problema exclusivamente francês, vemos a mesmas cenas ocorrerem em outros países da Europa com resultados semelhantes.
A um histórico de traições políticas, de conversão de militantes e partidos históricos da esquerda européia para a defesa da ordem, dificuldades de mobilização social, sectarismo exacerbado e uma série de outros fatores que colaboram para que a Europa esteja hoje em um momento de dificuldades de crescimento da esquerda em seu sentido mais amplo, com algumas exceções. Esta constatação não se baseia apenas do ponto de vista eleitoral, mas no sentido mais amplo da disputa política.
Este cenário Europeu prejudica a construção de alternativas em escala global, pois temos uma conjuntura de mudanças políticas em curso na América Latina, de possibilidades na Ásia e de grave crise social na África, que uma Europa à direita e subserviente aos interesses imperialista dos EUA prejudicam muito a construção de uma contra-hegemonia. Se não bastasse tudo isso, há as dificuldades inerentes a disputa política que sempre se fizeram presentes e que agora apenas se acentuam, como por exemplo, a dificuldade de se constituir uma tática mínima e comum das esquerdas para frear estes movimentos conservadores. O processo dos Fóruns Sociais Mundiais, atualmente, não dá conta deste desafio.
É uma conjuntura curioso (para não dizer trágica), a França que no passado foi palco de dois importantes símbolos que marcaram a consciência coletiva no sentido da possibilidade de emancipação humana, que foram a Revolução Francesa e a Comuna de Paris. Hoje, por ironia da história, a França é palco da afirmação de uma guinada conservadora na Europa.
Mas este é um cenário ainda em aberto, que longe de termos conclusões definitivas, devemos construir pontes que possibilitem uma mudança favorável na Europa, o que corrobora para o restante do mundo. O central é construirmos a consciência do que está em jogo e para onde queremos ir, do contrário, as perspectivas não serão muito otimistas.

sexta-feira

A mídia na política ou a política na mídia

A política brasileira cada vez mais enverada para a espetaculização e o diversionismo dos fatos. Não é algo que começou agora e nem ao menos é uma exclusividade “Made in Brazil”. Pelo contrário, exemplos não faltam pelo mundo de situações similares.
O quê tem em comum seja no Brasil ou na maioria dos países da América Latina é a participação ativa e determinante dos grandes meios de comunicação para a definição do que é central ou não na política (seja de Estado, seja no parlamento ou em outras esferas). O que é noticiado é que é digno de ser debatido e encaminhado pelos “políticos”, o resto perde espaço e importância. Se estes temas são realmente o que a maioria da população anseia, isso não é importante, o que interessa é o que está de encontro com o sentimento da pretensa “opinião pública”.
Não é algo novo, o problema é quando governos que foram eleitos para representar uma alternativa a isso se deixam pautar por essa lógica. Que ao fim e ao cabo, acaba por lhe tirar a autonomia e o protagonismo na proposição de suas ações e lhe deixando refém desses interesses oligárquicos. No caso do Governo Lula isso é ainda mais crítico.
Nas eleições de 2006, a grande mídia tentou de todas as formas impedir a reeleição do Lula, seja tentando impingir a marca de “governo mais corrupto da história” (quando os fatos demonstram o oposto) ou criando factóides nas vésperas da eleição. O caso das fotos do dinheiro aprendido no dossiê tucano demonstra de forma inconteste a falta de escrúpulos que a mídia oligárquica tem para atingir os seus objetivos.
O povo não aceitou essa armação e Lula foi eleito com uma votação histórica. Agora, findada o primeiro semestre do segundo mandato, a impressão que fica (pelas ações que o governo teve até o momento) é de que a lição não foi aprendida. Lula segue fazendo todo tipo de concessões possíveis para estes mesmos setores que tentaram impedir a vitória democrática nas urnas, em nome de uma suposta paz pela governabilidade.
O que na prática não tem ocorrido. Em momento algum a mídia deixou de atacar ao governo de forma sistemática e quase que orquestrada. E a reação do governo tem sido no mínimo tímida. Agora, após o recente desastre aéreo em Congonhas, o que temos visto é uma tentativa rasteira de vincular a tragédia diretamente ao governo. Sem haver investigação alguma, sem provas e sem o mínimo de cuidado ético, que um momento como este exigiria. Na semana anterior foi o episódio das vaias na abertura do Pan, e semana que vêm será outro o factóide a ser explorado pela mídia. Essa é a lógica que está em curso.
Cabe agora saber se o Governo Lula irá continuar a se deixar refém desta lógica suicida, pautado por um setor golpista que não aceitou o resultado das urnas e pretende a todo o custo retirar a capacidade protagonista do governo em por em curso uma agenda de mudanças. Para mudar esse quadro tem que ter coragem, com a atual timidez e falta de nitidez política, o resultado final não será dos melhores para o povo trabalhador do Brasil.

quarta-feira

50º Congresso da UNE avança na construção da entidade

No congresso que celebrou os 70 anos da UNE, um encontro que reuniu 8 mil estudantes de todos os 26 estados brasileiros e também do distrito federal. Os números do 50º Congresso da UNE mostram que ele representa, atualmente, um dos principais momentos de reflexão e decisão do movimento social brasileiro.
Este congresso trouxe como diferencial a qualificação do debate político e da participação. Fruto do novo processo de eleições dos delegados, que passou a ser realizado por eleições diretas dos estudantes em cada universidade, com uma transparência maior na eleição e um processo de debates pré-congressuais muito mais qualificado. Permitiu também que as principais lideranças do movimento estudantil pudessem chegar ao Congresso com mais propriedade. Desta forma, transformaram as Plenárias e grupos de discussão em momentos muito mais ricos de debates e construção política. A UNE sai do Congresso com uma capacidade de formação das suas ações muito mais qualificada.
A plenária final do 50º Congresso foi realizada no ginásio Nilson Nelson, em Brasília, com a presença de mais de 8 mil estudantes de todos os estados do país, entre observadores e delegados (estudantes com direito a voto na eleição), representando 1.880 universidades de todo o país. Onde se disputou a futura direção da entidade.
Do total de votos válidos (2.526), a chapa 11 - “1º de fevereiro”, que tinha Lúcia como candidata, teve 72% dos votos, contabilizando o apoio de 1.802 estudantes. O nome é uma referência ao mês e dia em que os estudantes retomaram, em 2007, o terreno da sede da UNE a Praia do Flamengo, 132, no Rio de Janeiro. Disputavam outras 10 chapas inscritas, mas que não apresentaram candidato para a presidência. A chapa 10 teve totalizou 279 votos. A chapa 7 conseguiu 232 votos. Já a chapa 9 saiu com 92 votos e a chapa 8 somou 73. As outras chapas juntas fizeram 14 votos. Foram registrados 33 inválidos.
O maior fórum organizado da juventude brasileira avançou também na construção política da entidade. Entre as resoluções aprovadas, os presentes foram convocados a construir a Jornada Nacional de Lutas, programada para o mês de Agosto. O objetivo é realizar atos, passeatas e protestos em conjunto com outros movimentos sociais para comemorar os 70 anos da UNE (que serão completados no dia 11/08) e exigir um Programa Nacional de Assistência Estudantil.
Na votação sobre a política nacional, a plenária aprovou a autonomia e independência da UNE frente ao governo Lula reforçando o pedido de demissão imediata do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, reivindicando mudanças na política econômica, com o fim do aperto fiscal e juros altos.
Durante a plenária também ficou decidido, por maioria de votos, que a UNE assume o compromisso de realizar, a cada dois anos, o seu Conselho Nacional de Entidades de Base (Coneb). Com isso, fica garantido que toda a gestão vai realizar o encontro, possibilitando o diálogo mais estreito com as entidades que compõem a rede do movimento estudantil, aumentando a capacidade de mobilização, comunicação e organização desta rede dos estudantes, por meio de suas entidades de base. Outra importante resolução aprovada foi a implementação das cotas de 30% de mulheres na direção da entidade, como forma de romper com as barreiras que impedem uma maior participação das mulheres nas direções e espaços políticos em gera l.
Na política educacional, foi aprovado intensificar a pressão junto ao Congresso Nacional para que o projeto da reforma seja desengavetado e votado o mais rápido possível. A UNE quer que a proposta volte à pauta do dia dos parlamentares para garantir que ainda este ano a educação privada, por exemplo, possa contar com novas forma de regulamentação.
Com isso, ainda que com um longo caminho a ser trilhado pela próxima gestão da entidade, a UNE se reafirma como uma das principais entidades do movimento social organizado no Brasil, e se abre a perspectiva de termos uma entidade com maior capacidade de mobilização e de democratização interna.

domingo

A luta de classes e os movimentos sociais

O processo de emancipação do conjunto dos setores oprimidos da sociedade é árduo e muitas vezes sujeito a contratempos e fortes revezes. E jamais deve ser pormenorizado a centralidade da luta de classes neste processo de disputa travada no interior da sociedade.
Esta noção, que remete a célebre frase de Marx e Engels " a história de todas as sociedades que já existiram é a história de luta de classes.", dá a dimensão precisa que tem a luta de classes na disputa política a ser travada pelo conjunto dos movimentos sociais organizados. Complementando a frase de Marx e Engels, desde que o homem abandonou a sua organização comunal ou mesmo tribal, e passou a se dividir por classes separadas e, antagônicas a sua história e desenvolvimento tem sido de conflito permanente. O próprio estágio atual do capitalismo é fruto deste conflito.
Que também tem se modificado permanentemente, ao contrário do que alguns "pensadores neoliberais" costumam a dizer. Não havendo assim, um cenário já definitivo e que não esteja sujeito a novas mudanças e ou rupturas. A história ocidental nos demonstra isso. O próprio capitalismo é fruto de uma mudança, ainda que desigual, na organização da sociedade em escala global. Resumindo, não há um fim da história.
Este sentimento de que o cenário para a disputa política é delimitado nos marcos do que o sistema permite é profundamente equivocado. Diversos setores populares e da esquerda tem se enredado neste "impasse" limitador da ação. O discurso do possível, dos acordos pontuais e "táticos", do imediatismo, do que a correlação de forças momentânea permite é um forte empecilho para a própria alteração da correlação de forças. Na medida que a correlação de forças é adversa, não se avança na luta. E na medida que não se avança na luta, a correlação de forças torna-se ainda mais adversa. Entrando-se assim, em uma lógica suicida e imobilista.
Esta lógica tem contribuído para o estado de revés que visualizamos nitidamente em alguns setores organizados. Logicamente à outros fatores conjunturais (internos e externos) que contribuem para o enfraquecimento de uma maior organização e mobilização social de importantes agentes com potencial transformador.
Não se quer aqui pregar aventureirismos, mas não podemos deixar a bandeira por mudanças reais e profundas ficarem esquecidas no "fundo de alguma gaveta". Todas as transformações reais que ocorreram, foram fruto de mobilização e do povo organizado e na rua para impulsionar os processos de avanço social. É este o papel histórico que o conjunto dos movimentos sociais devem buscar atingir, não menos que isto.