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Alerta: educação não é mercadoria

Nos últimos dias, o conjunto do movimento estudantil esteve em alerta, surpreendido pela aprovação de um substitutivo ao Projeto de Lei 341/2003, no último dia 17 de maio, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. O PL altera a atual legislação sobre a cobrança das mensalidades e permite às universidades particulares afastar o estudante que estiver com a mensalidade atrasada por 60 dias.
Este substitutivo, que alteraria a lei de mensalidades, foi apresentado pelo deputado Colombo (PT/PR) e aprovado na CCJ em caráter conclusivo, o que o dispensaria de passar pelo plenário da Câmara, seguindo direto para votação no Senado.
A UNE conseguiu barrar o caráter conclusivo do projeto, através de pressão sobre parlamentares para colher assinaturas para que o projeto fosse discutido no plenário da Câmara. Esta vitória tem um caráter apenas parcial, na medida em que o projeto será alvo de debates na Câmara e posteriormente no Senado. Devido a própria pauta já extensa de votações do legislativo, e ao fato de ser ano eleitoral, esta votação deverá ficar para 2007.
O substitutivo era completamente descabido. Se aprovado, o estudante que atrasasse dois meses consecutivos ao pagamento das mensalidades poderia ser automaticamente desligado da instituição, não podendo mais freqüentar as salas de aula, realizar provas ou até mesmo utilizar a biblioteca. A perda do vínculo com a instituição de ensino, inclusive, quase que impossibilita que o estudante obtenha transferência para uma outra instituição e termine o seu semestre ou ano, podendo ver os seus estudos, forçadamente, interrompidos.
Felizmente este ataque aos direitos dos estudantes foi momentaneamente barrado. No entanto, para além do debate de mérito sobre este projeto de lei em si, é fundamental que tenhamos clareza de quais os objetivos que se tinham ao propor estas mudanças.
Este tipo de projeto tem um caráter marcadamente excludente e parte de uma visão em que o ensino superior privado deve ser voltado apenas para gerar lucro para os donos e mantenedoras das universidades. Não para educar melhor e formar futuros profissionais qualificados para exercer suas atividades e contribuírem, de alguma forma, para o desenvolvimento do país.
Se, por um lado, até podemos (com dificuldade) vir a acreditar que um ou outro parlamentar tenha votado favoravelmente a mudanças como estas por puro "desconhecimento de causa" ou "ingenuidade"; por outro lado, fica evidente que o setor ligado às instituições privadas e ao mercado financeiro está extremamente articulado e conta com uma significativa parcela de apoio dentro da Câmara dos Deputados. Este opera exclusivamente para pautar seus interesses mercadológicos e buscar mecanismos e formas de ampliar a sua capacidade de lucro e não mudanças que visem minimamente à melhoria do ensino. Exercendo um forte lobby permanente sobre o parlamento para que atenda aos seus interesses.
O caso específico do substitutivo ao Projeto de Lei 341/2003, o que o motiva é justamente este "espírito". Se pegarmos os dados divulgados pelas próprias instituições de ensino privada, há muito tempo que uma parcela significativa dos estudantes matriculados nas instituições privadas têm entrado em situação de inadimplência. Em 2003, por exemplo, chegou-se a um número de mais de 30% dos estudantes estarem inadimplentes. Isso ocorre, principalmente, devido aos valores abusivos que estão sendo cobrados nas mensalidades. Para que não fique dúvida alguma quanto a isto, o DIEESE divulgou que de 1997 a 2005 as universidades privadas praticaram um aumento de 147,99% nas mensalidades, ou seja, quase que triplicaram o valor cobrado durante este período. Um aumento muito acima da inflação deste mesmo período.
Este episódio deixa uma importante lição para o conjunto do movimento estudantil e demais lutadores ligados a área da educação: as mudanças e avanços na universidade brasileira só ocorrerão com muita mobilização e pressão social. E ter isto claro é fundamental, principalmente com o cenário (ainda que muito indefinido) que se desenha para 2007. Confirmando-se a reeleição de Lula, abre-se a "janela" para pautar, novamente, a Reforma Universitária (que o MEC esta encaminhando no Congresso), e com isso se reabrem as possibilidades de se avançar em um projeto que democratize o ensino superior por inteiro.
Nas universidades privadas temos muito que avançar ainda. Há um conjunto de leis que, via de regra, dão ampla liberdade para as mantenedoras ou donos das instituições operarem abertamente, e quase que exclusivamente, visando a maximização de seus lucros e a secundarização da qualidade do ensino, que deveria ser a prioridade.
E, se por uma lado, temos inúmeras leis (ou omissões destas) que garantem a "liberdade de mercado" para o ensino privado, do outro lado, o dos estudantes (ou consumidores, como gostam de colocar alguns defensores da lógica mercantil no ensino), infelizmente temos poucas leis que minimamente garantam os seus direitos, tais como qualidade no ensino, liberdade de organização estudantil, democracia e participação na gestão do ensino, etc. Resumindo, a UNE e os estudantes venceram apenas uma batalha neste episódio do projeto de lei, mas a verdadeira guerra ainda está para ser travada.
E este é um duro desafio a ser encarado de frente pelo conjunto do movimento estudantil, e tendo o congresso que temos (atendendo muitas vezes mais aos interesses do mercado do que os do povo), só com muita mobilização e luta que conquistaremos qualquer mudança que atenda aos interesses dos estudantes e do conjunto da população.

Erick da Silva é Secretário da Juventude do PT/POA e militante do movimento estudantil.

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