quinta-feira

IIIº Congresso do PT: A Hora e a vez das Setoriais

O Partido dos Trabalhadores está vivendo o seu processo preparatório ao IIIº Congresso, onde o tema da construção e organização partidária tem uma grande importância para a definição do futuro do partido.
Este é um momento singular em nossa história partidária, seja pelo peso político que o PT ocupa hoje na sociedade acumulados ao longo de quase três décadas de história; seja pelo fato de este congresso estar ocorrendo após a grave crise que atingiu o PT recentemente ou pelo fato de, apesar da crise, tenhamos construido uma importante vitória eleitoral em 2006. Não podemos, no entanto, devido à vitória assumir um discurso de que nada aconteceu e de que as urnas absolveram todos os nossos erros, pelo contrário, devemos encarar esta vitória como um elemento a garantir que tenhamos força e respaldo popular para avançarmos no rumo certo e superar os nossos limites e erros.

As Setoriais na construção do PT

Neste processo de debates, um dos temas que necessitam ser encarado como prioridade é sobre o papel das setoriais no partido. Ao longo de sua trajetória o PT sempre contou com uma grande diversidade de setores e movimentos sociais que permitiram ao partido ter uma construção muito mais ampla. Alicerçada nesta diversidade político-social, expressava-se internamente por meio dos núcleos de base e das setoriais uma tentativa de consolidação na vida orgânica do partido dessa vitalidade social. Estes espaços permitiram que uma série de militantes tivessem um local privilegiado de debates, organização, formação e mobilização direta. É através desta diversidade e dinamismo que podemos entender parte do ineditismo da experiência do Partido dos Trabalhadores na esquerda brasileira.
Mas esta participação de base, desde a origem do partido sempre foi objeto de importantes e acalorados debates internos. Tendo principalmente por fundo o debate de diferenças sobre a concepção de partido que se buscaria construir e de quais seriam os mecanismos mais adequados para o seu fortalecimento.
O processo de esvaziamento dos núcleos de base prejudicou, e muito, o canal de participação do filiado ao partido. Mas não o interditaram por completo, havendo ainda iniciativas autônomas de militantes que permaneceram organizando espaços de base (seja por local de trabalho, moradia, etc.), mas não contando muitas vezes com apoio das estruturas partidárias ou sem o devido incentivo que mereceria.
O problema vivido pelas setoriais se assemelha, em parte, ao dos núcleos, mas com trajetória e peculiaridades próprias. As setoriais do partido cumpriram, ao longo da história do PT, um importante papel para a construção partidária. Seja por serem um espaço que permitiu uma participação mais direta e ativa de inúmeros filiados, de fomento ao debate e de formação política na base partidária. Auxiliando no processo de renovação de quadros dirigentes de maneira decisiva. Ocupando assim, de alguma forma, a lacuna deixada pela ausência dos núcleos de base.
Mais do que isso, foi através setoriais que enumeros debates políticos foram introduzidos e incorporados pelo conjunto do partido. A cota de gênero nas instâncias partidárias, o combate a discriminação racial, a defesa dos direitos das minorias etc. Este papel protagonista das setoriais na renovação política no partido gerou também um importante acumulo para as nossas ações de governo, através de políticas específicas que deram uma nova dimensão a temas que tradicionalmente o poder público não se detinha. Como por exemplo, o tema das políticas públicas para a juventude, trazidas a tona em nível federal com pioneirismo pelo Governo Lula.

O enfraquecimento das setoriais

No entanto, o processo de consolidação que vivia as setoriais (ou parte delas) ao longo do processo de construção do PT sofreu um duro golpe na década de 90. Neste período o partido entrava, com dificuldades, na resistência ao neoliberalismo no Brasil. Onde o crescimento do pensamento conservador, o enfraquecimento das organizações populares e os ataques a direitos e conquistas sociais, tiveram seus efeitos negativos sobre o partido.
A ascensão do neoliberalismo no plano político se deu em um momento em que o PT acumulava importantes vitórias eleitorais. No entanto, o partido não tinha mecanismos eficazes que impedissem que o processo de institucionalização gera-se seus efeitos negativos dentro do partido. Principalmente na perca de capacidade militante. Isso afetou o partido por inteiro, e também as setoriais, mas que apesar disto, ainda se conservavam como um espaço com alguma vitalidade e capacidade militante.
Se por um lado, as setoriais vinham acumulando força e consolidando o seu espaço, dentro do partido ganhou força, em alguns setores internos, a idéia de que as setoriais concorriam com as demais instâncias partidárias, e que por tanto deveriam sofrer mudanças em seu funcionamento. Este movimento ganhou força a medida que se ampliava o número e a organização das setoriais e, consequentemente o seu peso político dentro do partido, sempre se fazendo a importante ressalva de que este não foi um processo homogêneo, e que ocorreu de forma muito diferenciada e desigual nas diferentes regiões do país. Mas este peso e influência nunca se materializaram de forma unitária, havendo sempre uma grande dificuldade em se desenvolver um trabalho conjunto entre as setoriais, evidentemente com boas e importantes exceções.
Esta falta de uma atuação mais unitária das setoriais para garantir a sua presença no partido, aliada a resistência de alguns setores internos quanto a importância destas, favoreceram as mudanças estatutárias oriundas do IIº Congresso do PT, em 1999. Estas mudanças geraram uma retirada de força política das setoriais e foi um duro golpe que aprofundou um processo de enfraquecimento que já estava em curso no partido.
Entre as principais mudanças, está a perda do direito a voto que todas as setoriais, com funcionamento regular, tinham até então garantido estatutariamente junto ao Diretório de seu respectivo nível. Esta mudança gerou um processo de enfraquecimento político das setoriais, principalmente nos municípios, mas também se refletindo nos demais níveis. Pois são processos que se complementam, sem haver uma articulação de base, as instâncias superiores perdem em legitimidade, sustentação política e renovação. Outra mudança que atingiu negativamente as setoriais foi a retirada das delegações eleitas pela base a partir dos encontros setoriais para os encontros partidários. Com isso, as setoriais foram alijadas da possibilidade de estarem diretamente influindo nos rumos do PT, cortando-se um canal direto entre as setoriais e os espaços e fóruns decisórios do partido.
Uma alternativa necessária
O resultado destas políticas, hoje passado já alguns anos desta nova orientação partidária quanto a sua organização setorial, foi de uma grande redução do número de participantes nos encontros, um enfraquecimento crescente das setoriais que já existiam e a desarticulação de muitas. A criação de novas setoriais passou a ser algo cada vez mais raro. Isto acontece principalmente porque na medida que os debates realizados no interior das setoriais não geram ressônancia no conjunto das instâncias internas, acaba por conseqüêntemente a esvaziar políticamente estes espaços e tolindo o protagonismo da base militante, que já não tinham os espaços dos núcleos de base reconhecidos e passaram as setoriais a caminhar para o mesmo destino.
Agora, neste IIIº Congresso do PT temos a oportunidade de mudar os rumos deste processo. E isto só será possível com mudanças estatutárias que recoloquem as setoriais em um papel de centralidade no partido. Resgatando o direito a voz e voto das setoriais no diretório do PT (em nível municipal, estadual e nacional); que as setoriais voltem a eleger representantes aos encontros e congressos partidários; bem como constituir uma política de conjunto no partido para fomentar o trabalho de base e de debates setoriais, pois assim, além de se recuperar o espaço político retirado das setoriais, se possibilitaria uma renovação política da relação do PT com a organização dos segmentos dentro do partido.
Resumindo, não basta simplesmente tentar voltar a situação anterior ao IIº Congresso do PT, mas apontar para a necessidade de se gerar um aprofundamento do debate no interior do partido e ampliar as perspectivas da construção partidária junto a sua base militante. Recuperando-se a construção anterior e avançando para um fortalecimento das setoriais no PT, o que consequentemente fortalecerá o partido por inteiro. A melhor forma de termos um partido que esteja preparado para os importantes desafios que se colocarão no futuro é com o fortalecimento do caráter militante do PT. E isso se faz com a garantia de espaços de participação e decisão da base militante, e um dos melhores mecanismos para isso, que ao longo da história do partido tem se demonstrado, é através das setoriais e dos núcleos. Por isso, defendemos que o III° Congresso do PT seja marcado como o congresso da retomada e fortalecimento das setoriais e dos núcleos.
Para a construção de um partido que se proponha a disputar a hegemonia na sociedade, que se pretenda como impulsionador da construção do socialismo, ter um amplo processo de participação na base partidária é fundamental para esta construção. Não havendo nenhuma incompatibilidade entre a organização por núcleos (profissionais, de moradia, universidades, etc.) e as setoriais, pois são processos que se complementam. A ampliação da democracia interna dará um impulso decisivo para o PT.
Com isso, teremos um partido que estará ainda mais profundamente ligado aos anseios da maioria do povo brasileiro para realizar as transformações que são necessárias e urgentes em nossa sociedade. Se desperdiçarmos esta oportunidade histórica, o prejuízo para o futuro do PT será imenso.

Erick da Silva – Secretário da Juventude do PT de Porto Alegre/RS.

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