sábado

A juventude e a resistência rebelde

O mundo testemunhou, de forma impactante, a uma forte rebeldia se corporificar em todo o planeta. Uma indignação e revolta que está a redimensionar as lutas sociais, e que já é capaz de gerar fortes inquietações junto aos “donos do poder”.

Uma resistência organizada de maneira singular, que se contrapunha a lógica do capital e do pensamento único, que enfrenta a globalização neoliberal, não como algo dado e imutável, e sim como uma questão a ser enfrentada frontalmente. Este movimento deu os seus primeiros sinais de força no final da década de noventa, surgindo de forma quase que inesperada para muitos.

Após a uma onda avassaladora de imobilismo e de perda de referencial de amplos setores da esquerda em todo o mundo, no pós-queda do muro de Berlim, aliadas a importantes vitórias do capital sobre os trabalhadores (flexibilização dos direitos trabalhistas, desemprego em massa, etc.). Já se ouvia algumas vozes “precipitadas” alardeando que “a história havia acabado” e que o mundo chegava ao seu estágio final de organização sócio-econômica.

Acompanhada de uma expropriação cada vez maior do trabalho, agudizando-se ainda mais globalmente. Onde a estrutura econômica mundial, cada vez se centra mais em alguns “bolsões de riqueza”, que amplia a concentração do capital, elevando as disparidades entre as classes e regiões. As diferenças entre o operariado e a burguesia são ainda maiores do que foi há algumas décadas atrás.

A opressão sobre o trabalho ampliou-se como regra, onde a ideologização neoliberal apossou-se sobre grande parte dos trabalhadores, que passaram a perder de maneira sistemática alguns de seus referenciais mais importantes. Boa parte dos sindicatos perdeu muito de sua combatividade, passando a atuar muito mais na defensiva, apenas tentando evitar perdas ainda maiores de direitos para suas categorias.

A queda do muro de Berlim foi para muitos o símbolo que demarcou o fim de uma “utopia” e momento de encarar os problemas do sistema capitalista com realismo. Nos conformando de que o que está posto hoje não pode ser derrubado, apenas “transformado”. Todo uma história de lutas e de formulações teóricas haviam sido jogadas ao “limbo” e consideradas como apenas mais uma “página virada” da história.

Assim a social-democracia, por exemplo, que na Europa tinha sido nas décadas anteriores defensora do chamado “estado de bem estar” passa a abandonar uma perspectiva de busca por um “capitalismo humanizado” e passa a seguir a todo o receituário neoliberal. Se antes, a perspectiva da centro-esquerda já era limitada, se resumindo a lutar por ações como uma maior pensão para os trabalhadores aposentados, alguma redução dos índices de desemprego, etc. em uma concepção de transformação gradual de algumas das formas de desigualdade mais visíveis e insustentáveis. Atingindo-se apenas uma sustentação ilusória, onde apenas são maquiadas as desigualdades, e de nenhuma maneira contestadas a sua essência. Agora se passou a naturalizar a todos malefícios mais visíveis e apontam o mercado e o estado mínimo como as únicas vias possíveis de serem trilhadas no século XXI.

Esta hegemonia do “pensamento único” e do não enfrentamento ao capitalismo, apenas propiciou a um sem número de derrotas da classe trabalhadora, e uma ampliação e potencialização das mazelas do sistema. Os direitos trabalhistas passaram a serem suprimidos um a um, as agressões ambientais tornam-se ainda maiores e mais corriqueiras, as liberdades básicas de mulheres e homens passaram a ser ignoradas, os jovens tornaram-se ainda mais oprimidos, em uma explicitação do caráter regressivo do período atual.

As contradições se aprofundaram de tal maneira, que muitos setores, que antes se encontravam em uma apatia geral, começaram a demonstrar sinais de descontentamento.

A insatisfação das camadas oprimidas acentua-se e passou a se evidenciar. Como diria Marx, “tudo que é solido se desmancha no ar” e a ordem neoliberal começou a demonstrar sinais de seus limites. As manifestações que ocorreram em Washington em 1998, foram catalizadores de um processo que demonstrou para muitos incrédulos que havia uma possibilidade de se remobilizar a classe trabalhadora e que havia um amplo segmento juvenil disposto a arriscar a construção de uma outra lógica.

Mas, para muitos, o movimento só passou a tomar contorno após Seattle, em 1999 onde ocorreu uma manifestação grandes proporções. Contando-se com a participação de milhares de pessoas, devido a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), que foi um acontecimento que tomou dimensões espetaculares, e inimagináveis naquele momento. Servindo de impulsionador de uma série de manifestações de grande impacto que se sucedeu em diversas partes do mundo, dando um caráter de rebeldia internacional contra o grande capital. Praga, Milão, Nice, Buenos Aires, Quebec, Gênova, onde o capital venha a reunir é alvo de uma grande oposição internacional.

A juventude vem desempenhando um papel fundamental em todo este processo, onde ela tem sido um dos principais agentes. Isto se justifica facilmente, em razão de ela ter sido uma da mais afetadas pelas políticas neoliberais, onde ela tem o seu ensino desqualificado e transformado em mera mercadoria, a impossibilidade de ingresso ao mercado formal de emprego, o desrespeito as suas particularidades, são apenas algumas das propulsoras da rebeldia e insatisfação que importantes setores da juventude tem assumido no último período.

Todas estas lutas ainda carecem de um “corpo” político maior. Elas ainda possuem um caráter muito mais defensivo do que propriamente propositivo. A rebeldia na ação da juventude nestas manifestações, até mesmo a forma como tem se organizado são aspectos positivos que abrem possibilidade de avanço e de consolidação deste movimento, se houver um processo de maior politização que combine junto a um grau organização maior.

A inserção da juventude, em todo este processo, tende a se ampliar, atingindo determinados setores que ainda não estão hoje integrados substancialmente. Um esforço para que sejam incorporados e propiciem uma maior massificação das lutas gerará uma concretização de uma reversão do curso político estabelecido no mundo. Buscando dialogar e construir organicamente uma relação política com outros setores como o movimento estudantil, por exemplo. O que pode dar o salto qualitativo que o movimento anti-globalização necessita.

Ainda não se pode dizer com toda a clareza quais serão os rumos a serem tomados. A burguesia já se organiza a fim de neutralizar todo o movimento internacionalista de enfrentamento ao capital que se consolida. Já sistematiza formas muito mais brutais de repressão contra os manifestantes, tenta gerar fatos que venham a desagregar e desmobilizar o conjunto de forças heterogêneas que estão unidas em uma luta comum.

Cabe ao movimento gerar formas de organização que superem os seus atuais limites (que não são pequenos), buscando atingir a uma maior coesão de ação e política. E principalmente que tente agregar, de forma decisiva, uma perspectiva a luta anti-globalização que aponte claramente para uma perspectiva de ruptura com o capitalismo e de luta pela construção de um novo horizonte para a humanidade: um horizonte socialista.

Inverno de 2002

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