sábado

Ousar e ultrapassar limites

No final de mais um ano de muitas lutas, onde obtivemos uma série de resultados positivos e alguns negativos, é importante que iniciemos o balanço geral de nossas ações, sob os mais diferentes aspectos. Pretendo com este texto colaborar no sentido de apresentar, de maneira breve, alguns apontamentos políticos e organizativos para a Kizomba no próximo período.

A situação colocada

Findada as eleições municipais de 2004, a esquerda socialista brasileira enfrentou talvez o pior cenário político dos últimos anos. Principalmente sob o ponto de vista da disputa de projeto e consciência. É hora dos movimentos sociais, de um modo geral, reorganizarem-se para o próximo período.

Procurando não entrar de maneira aprofundada no debate quanto aos rumos que a esquerda deverá tomar frente aos resultados das eleições, o Governo Lula e a situação como se projeta o Partido dos Trabalhadores quanto ao papel estratégico que ele pode ainda representar. Mas de antemão, reafirmando a compreensão de que a superação das contradições da sociedade, regida pelo “Deus Mercado” só podem ser superadas se houver a consciência de que a reconstrução da sociedade para um sistema que torne o ser humano guia de seus próprios destinos, que promova uma libertação por inteiro, eliminando a atual sociedade de classes, passa por termos na “fusão crescente de duas forças essenciais: por um lado, o movimento de massas cada vez mais amplas que libertam imensas energias e um capital incalculável de iniciativas populares e individuais, e por outro, um partido revolucionário, (...) podendo organizar e conduzir essas massas para um movimento que desembarque na vitória da revolução.” (E.Mandel).

Isto posto, é hora de avaliarmos de que forma poderemos estar avançando na luta social e modificando favoravelmente a dura conjuntura política do país. O Movimento Estudantil pela sua heterogeneidade e pela sua potencialidade renovadora tem um importante papel estratégico nesta disputa política. É fundamental que o nosso campo político no ME, Kizomba, assuma um papel ainda mais protagonista, que possa dar conta do conjunto de desafios que estão dados.

Reforma Universitária

A principal luta imediata a ser travada, sem espaço algum para dúvida, é a Reforma Universitária. Ao longo de todo o debate que se travou desde o anúncio pelo Governo Lula de que iria realizar uma reforma da universidade brasileira, ainda com o Cristóvão Buarque a frente do MEC, foi sempre bastante problemático. A disposição de realizar um amplo e democrático debate com a sociedade, desde o inicio, não ocorreu.

Nós da Kizomba, ao contrário de outras forças políticas, sempre nos posicionamos de maneira clara, defendemos uma postura autônoma dos movimentos sociais perante o Governo Lula. Sempre destacamos que uma reforma da universidade era importante, face todo o desmonte da gestão neoliberal. Mas que no entanto, ela deveria vir de encontro a totalidade das reivindicações históricas que o movimento da área de educação tem acumulado ao longo dos anos. Para poder interromper o ciclo neoliberal e construir uma universidade sintonizada com as necessidades do Brasil, fortalecendo o papel fundamental que deve ter a universidade no desenvolvimento nacional e na soberania brasileira, através da produção de conhecimentos e práticas direcionadas a transformação social.

O MEC, no entanto, desde a gestão de Cristóvão, mas principalmente com o Tarso Genro no comando do Ministério, optou por fazer políticas que não vão de encontro com as mudanças necessárias. Pelo contrário, tem adotado políticas que aprofundam o espectro neoliberal na universidade brasileira. Até agora, o MEC não apresentou de fato um projeto abrangente de Reforma Universitária, mas várias propostas fragmentadas que estão sendo impostas via medidas provisórias e projetos de lei, mexendo diretamente nas estruturas da educação superior e sem dialogar efetivamente com a sociedade. São muitos os fatos que demonstram isto, apenas para exemplificar, a continuidade da política de FHC de ampliação do setor privado na rede de ensino superior, o PROUNI que institui a compra de vagas nas universidades privadas em troca da ampliação do volume de isenções fiscais, a manutenção dos vetos de FHC no Plano Nacional de Educação e etc.

Na prática, temos presenciado uma adaptação do ajuste neoliberal na universidade, que anteriormente era conduzido por Paulo Renato no MEC durante o Governo FHC, e que na atual gestão do MEC tem tido a sua continuidade e incremento.

O papel e a situação do movimento estudantil

Neste cenário, o desafio do movimento será o de barrar esta política neoliberal e garantir uma verdadeira reforma do ensino superior, que vá de encontro as bandeiras historicamente defendidas.

No entanto, está não é uma tarefa simples. O movimento estudantil, de uma maneira geral, não passa por um bom momento. O grau de desarticulação e de afastamento entre as mais diferentes posições, não deixa de enfraquecer o potencial de mobilização necessário. As diferenças táticas e de percepção quanto a conjuntura colocada não são poucas, o que nos deixa em uma situação problemática.

Se por um lado temos a UJS, a Articulação Unidade na Luta e companhia, com uma posição extremamente acrítica e adesista frente a reforma, por outro, temos o divisionismo e o sectarismo do PSTU e do PSOL. Que adotam uma tática de oposição aberta ao Governo Lula como um todo e que através desta política meramente adjetivista (na medida que não fazem um contraponto por inteiro da Reforma Universitária) buscam apenas a sua auto-construção.

Para piorar este cenário, a esquerda do PT não tem conseguido avançar efetivamente para uma posição e uma atuação unificada. Muito pouco se tem conseguido avançar no diálogo e na atuação política conjunta entre as forças. Tanto do ponto de vista da disputa dentro do movimento, quanto politicamente acerca da tática a ser adotada. Temos observado algumas forças da esquerda petista acabarem por se deixar dirigir pelo sectarismo do PSOL e PSTU, ampliando ainda mais o distanciamento interno da esquerda do PT no movimento estudantil.

Alternativas a serem buscadas

É importante que recuperemos um bom nível de unidade na esquerda do PT dentro do movimento estudantil a curto prazo. Assim poderemos ter condições de fortalecer a luta e as mobilizações necessárias. O PSOL e o PSTU representam posições significativamente distantes das nossas. Evidente que não deveremos encará-los como sendo o que de pior há no movimento, o que seria uma grave injustiça, no entanto, temos de ter claro que as nossas diferenças não são meramente pontuais e que os nossos caminhos não se cruzam neste momento histórico. A dicotomia colocada esta entre querer barrar a reforma para disputar os rumos do governo e entre quem quer barrar a reforma para derrotar o governo.

Não devemos perder de vista que a Reforma Universitária não é uma disputa isolada dos movimentos sociais frente ao governo. Mas sim que há uma disputa maior a ser travada, como muito bem colocou Emir Sader, “a luta da esquerda hoje – dentro e fora do PT – é contra a hegemonia liberal dentro do governo. Caso esta prevaleça, a esquerda como um todo terá sido derrotada. Os caminhos desta luta podem ser distintos conforme a inserção de cada um, de cada movimento social, conforme a localidade e o setor social onde se situem. Mesmo os que considerem que se trata de uma batalha perdida, a luta contra a hegemonia liberal é um processo inevitável de acumulação de forças, porque o liberalismo penetra profundamente em quase todos os poros da sociedade e da prática política e cultural brasileiras. Sem um combate frontal a essa influência, não teremos no Brasil uma esquerda à altura das necessidades da construção de um modelo pós-neoliberal.”

Tendo isto em vista, nós da Kizomba devemos estar concentrando todos os nossos esforços para impulsionar este combate. Nisto passa a necessidade de estarmos aprimorando e atualizando a nossa organização.

A organização da Kizomba

Teremos no próximo período, além da Reforma Universitária, outros importantes desafios a serem protagonizados por nós, como é o caso do FSM, do Encontro Nacional de Mulheres da UNE, diversas eleições de DCEs e DAs, Congressos da UNE, UBES e UEEs e etc. Isto nos exigirá uma forte capacidade organizativa e de mobilização.

A nossa capacidade e necessidade de mobilização se traduz em um fortalecimento de nossa inserção social. “A correlação de forças sociais atual é desfavorável para a classe trabalhadora, pelo longo período histórico de refluxo do movimento de massas. Isto não quer dizer que não existe um movimento crescente e massivo, que construa organicamente uma unidade popular em torno de um projeto unificado de mudanças. É preciso estimular as lutas sociais e a construção de um amplo movimento de massas, unitário, que consiga se contrapor a hegemonia do capital financeiro” (J. Pedro Stédile). O nosso trabalho de base nunca foi tão imprescindível.

Devemos adotar uma política de maior fortalecimento e publicização da Kizomba. Isto só se dará por obra de nosso esforço coletivo, de nossa capacidade de estarmos envolvendo na dinâmica cotidiana do movimento, um conjunto ainda maior de lutadoras e lutadores. Ampliando as nossas relações com outros setores do movimento estudantil que não estão organizados. Por isso, devemos impulsionar a nossa atuação, enquanto Kizomba, nos mais diversos movimentos e frentes de atuação. O aprofundamento de nossa relações conjuntas com outros movimentos sociais, via CMS, deve ser reafirmado.

Nisso deveremos adotar uma política ainda mais ousada. Para isso é indispensável termos uma forte capacidade de intervenção organizada, nos possibilitando alcançar resultados mais substantivos. Torna-se fundamental o fortalecimento da Coordenação Nacional da Kizomba, enquanto espaço que possibilita a maior unificação, objetiva e subjetiva, de nossas ações. Muitas vezes cometemos o erro de nos deter por demasiado nas tarefas imediatas. Não sobrando espaço para tratarmos com profundidade das questões de estruturação organizativa e das tarefas para médio e longo prazo. Desta forma se acumulam as questões que permanecem pendentes, e ficamos mais distantes das soluções necessárias para darmos o salto qualitativo requerido.

Devemos rapidamente sanarmos nossos problemas organizativos que há muito tempo tem nos prejudicado. O mais grave deles talvez seja a falta de uma política de comunicação, tanto interna quanto externa, mais eficiente. Que de conta de nossas necessidades de maneira ágil e democrática. Outra questão que igualmente requer que nos debrucemos com maior atenção é quanto a ausência de uma política de finanças. A importância de estarmos atentos a isto é evidente, pois muitas vezes por deficiências materiais acabamos por despotencializar a nossa intervenção social. Devemos deliberar um política financeira que resolva esta questão. Parte da solução passa por termos uma pessoa encarregada de maneira específica para esta tarefa na CN-Kizomba.

Também devemos de maneira ágil dar conta de organizarmos um amplo mapeamento de nossa inserção nacional. Sem termos uma profunda clareza de quem somos, aonde estamos e quantos somos, fica extremamente difícil organizar a nossa intervenção. É importante darmos conta deste mapeamento em um curto prazo. Para que possamos organizar melhor a nossa atuação no próximo ano.

A Kizomba enquanto alternativa

Outra questão, que deve ocupar um espaço privilegiado em nossa agenda política, é quanto a nossa permanente ‘reinvenção’. Quando nos propomos a por em prática uma nova cultura política no interior do movimento estudantil, este desafio vem acompanhado de uma permanente atualização de nossas práticas e percepções.

O que as vezes acaba por ser esquecido ou posto em segundo plano. Manter este debate vivo e na “pauta do dia” em todos os nossos espaços de discussão é uma necessidade que deve ser coletivamente fomentada por nós. Nos colocando permanentemente sintonizados com a vitalidade que se demonstra nos corredores das universidades, nas ruas e em todos os espaços. A nossa ‘reinvenção’ constante passa por isso. Passa por fortalecermos o nosso trabalho de base, por ampliarmos a nossa capacidade de diálogo com os mais diferentes segmentos. Ampliarmos o processo de participação, de debate e elaboração coletiva é um elemento fundamental para nossa construção.

A Kizomba permanece, assim, sendo uma alternativa viva no movimento estudantil e para que possamos ir além, que devemos estar assumindo o desafio de afirmarmos e colocar em prática esta alternativa.

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